Dedico-me à comunicação há quase completas três
décadas. Bem ou mal, é outra história, mas ainda prefiro que esse antagonismo
confronte adversamente "bem" ou "mal", do que
"bom" ou "mau". Uma coisa, contudo, aprendi durante esse
trânsito por redações, sucursais, agências de notícias, enfim, pelo universo do
bloquinho de papel à mão, eis que a notícia urge. E a notícia, sim, urge. Mas,
ela, enquanto substantivo, depende de uma lacuna existente entre seu
surgimento, denominado fato, e seu consumo pela audiência. Há, pois, uma podre
manipulação existente entre o que acontece e o que é divulgado. Pior ainda é a
construção de sentidos dada àquilo que é divulgado, de maneira que o que se lê,
vê ou ouve pode não corresponder exatamente ao que ocorreu, sem que para isso
se esteja mentindo. Aqueles que por curiosidade, acidente ou falta do que fazer
leram minha definição para este Blog compreendem, com mais propriedade, por que
enfatizo a definição que minha professora na ECA-USP, hoje coordenadora da
graduação e do programa de pós-graduação em Jornalismo na ESPM, Maria Aparecida
Baccega, dá para o ato de comunicar-se. Comunicação, segundo ela, é a edição do
mundo; quem comunica, edita a realidade. Ainda não deparei com definição
teórica melhor em meus estudos no amplo campo das Ciências da Comunicação.
Dia desses, como informei em meu Blog, meu irmão,
José Claudinei Messias, foi inocentado pela Justiça da acusação de apropriação
indevida de dinheiro público na Câmara Municipal de Ourinhos. Ele presidiu a
mesa diretora daquele Legislativo vizinho quase dez anos atrás e foi acusado
pelo Ministério Público de ter ficado com um dinheiro que é do erário. À época,
a TV Tem deu ampla cobertura e destacou em manchetes de seus péssimos
telejornais regionais o passo a passo da destruição de imagem de um homem público, que de acusado passou, nas telas, a condenado.
Nesse ínterim, a votação, na Câmara, de uma CEI que não o condenou nem o
cassou, mas que foi o ápice da exposição, ainda sem provas, de um nome em meio
a um período político do país em que os corruptos do Mensalão começavam a ser judicialmente condenados. Se o Legislativo nada provou contra meu irmão, igualmente o Poder
Judiciário considerou as provas insuficientes, agora em 2015. Foi, então, cobrada a
divulgação, pela TV Tem, do desfecho do processo judicial, que, convenhamos, é
mais importante do que uma investigação política de CEI definida pelo coronelismo
provinciano que ainda reina pelo interior desse país. A resposta surpreendeu: “não
temos mais interesse pelo caso”, respondeu um certo descendente japonês, do
outro lado da linha.
Pessoas honestas como meu irmão engolem a seco esse
poder arrogante advindo da hegemonia da comunicação. Como continua sendo homem
público, a trabalhar com a política, entende que é melhor assim, com a afiliada
da Rede Globo na região dando as costas para a verdade e enfatizando a
prioridade pela mentira que sustentou por mais de três anos (segundo a Justiça,
todos são inocentes até que se prove o contrário, ou seja, a verdade só é
sacramentada em um processo após seu desfecho e, por conseguinte, trabalhar só
com a acusação sem provas é sustentar a mentira), enquanto ele, em paz de
consciência, reergue-se, aos poucos, com o rosto lavado pela dignidade e com a
tão demorada chegada dos sonos tranquilos, com a cabeça repousando levemente no
travesseiro. À TV Tem resta, somente, a
perceptível queda de audiência, ameaça gradativa que assombra sua geradora de programação, a Rede Globo, que perdeu quase metade de seu público nos últimos dez
anos, talvez por incompetência de suas afiliadas, como a de Bauru.
O dar-as-costas à verdade compromete o jornalismo
aos poucos. O resultado vem mais rápido do que a formação de uma estalactite em
qualquer caverna da obscuridade que se encontre por aí. Mas, é vagaroso demais
para quem é afetado. Ou rápido demais para quem está exposto publicamente. Cansei
de ver diretores e proprietários de emissoras de rádio e empresas
jornalísticas, de impresso, sentando à mesa com prefeitos e presidentes de
Câmaras nessas últimas três décadas. Se na redação vinha a informação de que
fulano foi ao gabinete de beltrano, ou então que beltrano veio à sala de direção
de fulano, já surgia a expectativa. Qual seria, depois, a ordem? Continuar
descendo o cacete na Prefeitura ou na Câmara ou simplesmente, a partir dali,
submeter ao diretor da rádio ou do jornal as pautas que editorialmente fossem
contra prefeito, secretários ou vereadores?
O interessante do enunciado do parágrafo anterior
é que para um jovem que ainda sonha em fazer Jornalismo ou então outro curso de
Comunicação isso tudo parece um faz-de-conta. Difícil acreditar que tais
negociatas ocorreram ou ocorrem no cotidiano que define cada linha que se lê
como notícia exatamente agora. Afinal, não acreditar em uma imprensa livre e
questionar cada linha do que é publicado é colocar em xeque a própria história
do século XX, registrada não por documentos históricos advindos de um legado
cultural materializado por rastros espontâneos deixados por determinados grupos
sociais, mas pelas manipuladoras mãos do próprio homem. Sim, o que você lê ou
estuda sobre os últimos cem anos de nossa história é, necessariamente, fruto da
decisão de quem publicou, e não uma representação social coletiva. Basta, em um exemplo recente, conceber a Guerra Fria
a partir do contexto de cada uma das duas partes envolvidas ou, ainda, buscar
uma definição clara sobre o 11 de Setembro de 2001, um fato que quando
transformado em notícia leva de um atentado terrorista a uma conspiração de
construção premeditada para uma nova ofensiva sobre o petrolífero oriente.
Mas, e o que a dengue tem a ver
com isso? Explico. Nesse Sábado de Aleluia, portanto um dia após a Sexta-feira
Santa em que todos comem bacalhau ou imitação de bacalhau e um dia antes do
Domingo de Páscoa, quando quase todos comem chocolate ou imitação de chocolate, recebi a visita de uma
equipe de trabalhadores em minha casa. Eram homens e mulheres que não só
aplicavam aquele veneno que mata o mosquito aedes aegypti e outros insetos e
animais, mas, orientavam sobre os procedimentos que cada família deveria tomar
para, primeiro, receber o rapaz com sua barulhenta máquina destruidora de
insetos, e, depois, retomar a rotina já livre principalmente de pernilongos
capazes de matar seres milhões de vezes maiores que eles.
Não li, em página alguma, seja
ela impressa ou online, que as equipes da Prefeitura e da Sucen trabalhariam no
final de semana prolongado da Páscoa, mas vi que supermercados fechariam na sexta. Trata-se de uma das datas sazonais mais
importantes do ano, o que é comprovado pelo fato de a Sexta-feira Santa ser a
única data do ano em que quem vende comida, ou seja, os supermercados, respeita
a santidade do período, correspondente à ressurreição de Cristo, e não abre as
portas, batendo todos os recordes do ano de venda de bebidas alcoólicas e carne
vermelha no dia seguinte, Sábado de Aleluia. Só que sábado passado, enquanto
uma parcela considerável da população economicamente ativa preparava o estoque
para comer a carne vermelha que preteriu por quarenta dias, sem peso religioso
na cabeça e com muita leveza de cabeça para administrar o efeito dos fardos e
mais fardos de cerveja comprados, os ‘agentes da Sucen’ trabalhavam.
Confesso não ter acreditado
quando ouvi o barulho ‘discreto’ da máquina exterminadora de pernilongos nas
proximidades, aqui na vila Boa Vista, também conhecida como Santa Cecília.
Sairia com a esposa para fazer algumas compras. Não em supermercados, mas no
Secenter da Construção, para artigos que pudemos trazer no porta-malas do
carro. Soubemos que os trabalhadores, em seu sentido mais literal de palavra,
haviam passado por cada uma das casas da frente, ou seja, estavam completando a
quadra de baixo. Deu tempo de sairmos, irmos ao Secenter e voltarmos. Chegamos
e lá estavam homens e máquinas, cuja aparência acovardou meus ‘corajosos’ três vira-latas,
capazes de latir para carteiros e leituristas de água e energia elétrica, mas
não para aqueles que carregam máquinas nas costas, usam máscaras e fazem um
barulho que se não mata pernilongo, com certeza espanta.
Agora pela manhã estou ouvindo o
som da mesma máquina que lança veneno no ar, nas proximidades. Deduzo, pois,
que os agentes da Sucen tenham uma sequência de trabalho e estejam
gradativamente exterminando pernilongos na completude da cidade. Um trabalho de
formiguinha, que de tão discreto, apesar do barulho e do ‘cheiro’ da nebulização, passa
imperceptível aos olhos de uma sociedade ávida por notícias. Não que a imprensa
de Assis não reconheça o trabalho da Sucen e da Prefeitura, não é isso. Pura e
simplesmente, a audiência, ou seja, quem lê, ouve ou assiste notícias sobre a
cidade, está tendo a oportunidade de comprovar, nesse período da Páscoa, o quão
nossos jornalistas só têm olhos para o que: a) os diretores autorizam os
editores a publicar; b) o que acontece e chega pronto, em release, às redações,
e d) o que acidentalmente é postado por algum anônimo nas redes sociais. Nem
vou citar as ocorrências policiais, pois as mesmas se enquadram nas suposições "a", “b”
e “c”, uma vez que jornalista de Assis cobre tais ocorrências se o réu não for rico ou não tiver poder na cidade, o caso estiver no plantão policial e a ocorrência for
flagrantemente exposta nas redes sociais. Tirar a bunda da cadeira e sentir o
cheiro da periferia cada vez mais é coisa da vanguarda, dos caretas mais velhos,
enfim, de jornalista que não espera a notícia cair do céu.
Enfim, mesmo a passagem da equipe
da Sucen e da Prefeitura proporcionou uma oportunidade cada vez mais rara. Os
moradores foram obrigados a sair da toca e ir para a calçada, tipo de cena
comum em Assis vinte, trinta anos atrás, quando as famílias, depois da janta,
colocavam cadeiras na calçada para atualizar o repertório de cuidar-da-vida-dos-outros.
Proseavam e só entravam quando começava a novela das “oito” (sim, a novela
naquela época começava às 20h30 e terminava às 21h15). A cena da manhã de
sábado era bem essa. Bel e Ismael, da farmácia, nós daqui de casa, tia Alice e
tio Dito, dona Rosa e as filhas, enfim, a coletividade que ou esperava o cheiro
forte de veneno baixar ou aguardava a passagem dos trabalhadores por dentro de
suas residências. O tom da conversa, claro, era a cobrança por uma cobertura da
imprensa de Assis para aquela 'novidade' (o trabalho em pleno Sábado de Aleluia, e não a nebulização em si), mas, convenhamos, era Sábado de Aleluia e dia de comprar
carne, cerveja e ainda marcar na caderneta da Casa Avenida para descontar no
pagamento só do mês que vem. A notícia, pronta, a assessoria de comunicação da
Prefeitura manda pronta na segunda.
*Professor universitário, historiador
e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.
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