sábado, 3 de janeiro de 2015

As tardes diárias serão apenas tardias sem Márcia Gianazzi

Cláudio Messias*

Soube, ontem, que Luzia 'Márcia" Gianazzi deixou os microfones. Ou seja, calou a voz feminina mais importante do rádio do interior. Considero importantes, na história, aqueles personagens que chegam, estabelecem seu território e ali demarcam sua personalidade. Márcia Gianazzi é um capítulo vivo da história da participação da mulher na fechada e tradicional sociedade de Assis, a Sucupira do Vale.

No final do ano passado soube, por amigos da imprensa, da vontade de Márcia de, aposentando-se por tempo de contribuição ao INSS, sair do rádio. Confesso que acreditei não acreditando. Afinal, o meio rádio é uma dessas paixões que nos fazem ganhar não muito dinheiro, mas, propiciam um prazer indescritível no dia a dia. E Márcia, bem sei, é apaixonada pelo rádio, por suas ouvintes e pela empresa que lhe contrata.

Conheci Márcia em 1985, quando ingressei como aprendiz na equipe de esportes de Chico de Assis, outra lenda viva do rádio regional. Já narrei, aqui, nesse espaço blogueiro, as diversas sensações materializadas na forma de ingresso, no rádio, em 1985, na rádio Cultura AM-FM. Já tinha visto, pessoalmente, Márcia Gianazzi antes, pois minha irmã, Marcilene, era recepcionista-telefonista na mesma emissora havia alguns anos. Mas, ser aprendiz na técnica de som tendo Márcia no estúdio foi uma das boas sensações que guardo e guardarei pelo resto dos meus dias.

Márcia é dona de um carisma que a faz menina eterna. Vejo suas fotos e seu video postados pela rádio Difusora nessa sexta-feira, nas redes sociais, e o que encontro é a mesma colega de trabalho de 30 anos atrás, toda menininha. Uma festa de despedida que reuniu fiéis amigas ouvintes construídas nessas mesmas três décadas. Uma legião de mulheres que se inspiraram no modelo da ídola para encarar a vida de frente, aprimorar a culinária, resolver os relacionamentos familiares, saber das previsões de horóscopo, ficar a par das fofocas que envolvem artistas famosos, enfim, ouvir a vida passar na forma de ondas sonoras que só o rádio propicia.

Fiquei pouquíssimo tempo na função de técnico de som. Logo, poucas foram as vezes em que comandei a mesa de sonoplastia tendo Márcia Gianazzi em estúdio. Três meses depois de contratado pela rádio Cultura passei para a redação, para o jornalismo, e dele nunca mais saí. Mas, jamais me esqueço da tarde em que tomava um chá gelado na apertada copa da rádio Cultura e confidenciava a Márcia a proposta que Eduardo Camarguinho me fizera, de substituir temporariamente o editor Valdir Pichelli, demissionário. Tinha, eu, medo de comandar Alves Barreto, Carlos Perandré, enfim, a veterana equipe de jornalismo da emissora.

Márcia não só disse que tinha convicção de que eu daria conta como deu-me um abraço e, mãezona que é e sempre foi, olhou emocionada pra mim e sugeriu que eu encarasse a vida com a mesma seriedade com que, em três meses, eu havia saído da sonoplastia e 'subido' para a redação. Sabia, ela, do drama familiar que passávamos em casa com a iminente separação de meus pais. E aí vieram as palavras de minha amiga que ainda hoje ecoam nos meus ouvidos: "algumas pessoas a vida escolhe para que sejam adultas já aos 15 anos".

As tardes na Cultura AM sempre eram mais tranquilas. No meu departamento, de jornalismo, o corre-corre era forte até 13h00, quando terminava o programa Cultura Notícias, apresentado pelo saudoso Luiz Luz. Eu voltava do almoço e tinha a incumbência de preparar os módulos informativos das 14h00, 15h00, 16h00 e 17h00. Eram quatro notícias por módulo e eu, que tinha de cumprir horário até 18h00, sempre seguia os conselhos de Márcia, ou seja, elaborar os módulos informativos dentro do espaço de cada hora, de maneira a não ser surpreendido por uma notícia de última hora e, assim, deixar os ouvintes sem a informação atualizada.

Enquanto esperava a notícia nova eu revezava conversas em alguns ambientes da emissora. Meus pontos de interação eram conhecidos: o segundo degrau da escada que dava acesso ao andar superior, em frente à portaria, onde dialogava com minha irmã, Marcilene, que ficava ainda mais doidinha com aqueles incessantes telefonemas e atendimentos no balcão. Dali eu seguia para a copa, onde dialogava com Linda, a serviços gerais. E, por volta das 15h00, ia para o estúdio prosear com Márcia, pois via de regra naquele período de seu programa havia menos participação de ouvintes ao vivo e, assim, podíamos falar um pouco mais sobre a vida.

Com a separação de meus pais e os descaminhos que aquilo proporcionou nas vidas minha e de meus irmãos, Márcia nos acolheu. Passamos, eu e Marcilene, a fazer parte da família dela, com a pequena Ana Carolina ainda novinha. Tivemos Natal, Ano Novo e outras tantas festividades sazonais incluídas no rol de convidados daquela locutora que fora dos microfones era exatamente a mesma Márcia Gianazzi acolhedora, conselheira, irmã, mãe, enfim, amiga.

Juntos, formávamos uma equipe que complementava a renda mensal. Junto com Celso Valdecir de Moraes, o Magui, eu e Márcia fazíamos promoções pela região. Dancing Days, em Tarumã, Beco, em Cândido Mota, Metrô, em Assis, eram apenas algumas das danceterias que recebiam a equipe da rádio Cultura aos sábados. Dividíamos o lucro das promoções proporcionalmente, que por si só comprovava o quão amiga Márcia era. Afinal, muitas das pessoas que iam às promoções se faziam atraídas pela locutora, que nem assim aceitava ter o cachê mais elevado que o meu e de Magui.

Um dia soube que Márcia Gianazzi sairia da rádio Cultura. Eu não estava mais na emissora. Já tinha decolado para o universo do jornalismo fora de Assis. Desdenhei da informação, imaginando que a rádio Cultura não sobreviveria sem Márcia, assim como Márcia não sobreviveria sem a rádio Cultura. Apendi, pois, que é o meio rádio que faz o profissional, e não exatamente uma empresa. Márcia Gianazzi levou para a Difusora sua legião de fãs, e lá agregou para si o que a Difusora já detinha no horário.

Agora, quando soube que Márcia aposentaria, desdenhei com mais cautela. E ontem, quando soube da despedida feita em clima de festa merecida, de reconhecimento, tive uma sensação menor de perda. Na realidade, Márcia faz bem. Está cravada na história do rádio como uma das mais competentes profissionais de comunicação desse país. Onde há Márcia Gianazzi há anunciantes, dada sua competência comunicativa. Ela, pois, para na hora certa. Tem uma vida particular a cuidar, um legado a fazer prevalecer.

Quando em casa estou, muitas vezes preparando aulas, corrigindo trabalhos de alunos ou mesmo fazendo um ou outro serviço doméstico, ouço, nas tardes, a voz de Márcia Gianazzi vindo do rádio de minha tia Alice, que mora ao lado. A voz de Márcia tem 'cara' de tarde-feira, tem cara de Assis. Fico com a sensação de que, a partir de agora, não estarei em Assis quando ouvir outra voz, vinda do rádio, que não seja a dela.

Faz alguns anos que não revejo Márcia. Quando estava na imprensa de Assis fazia, variavelmente, visitas a ela, aproveitando para tomar um café e colocar as conversas em dia com Cícero Coelho Pedroza, na Difusora. Mas, uma coisa é você não rever uma amiga, um amigo, mas saber que ele ou ela está ali. Ficamos sem chão, mesmo, quando recebemos a notícia de que a pessoa querida não mais estará lá. É essa sensação de vazio que me ocupa agora.

Privilegiados serão aqueles com quem Márcia Gianazzi compartilhará seu talento agora, nessa nova fase da vida. Saudável como sempre foi, minha amiga cuida-se o suficiente para preterir, justamente, a imagem de aposentada. Coloca em repouso as cordas vocais que fizeram ecoar Vale do Paranapanema afora um talento abençoado por Deus. Resta saber, porém, quanto tempo ela conseguirá ficar fora do ar.


*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP.

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