sábado, 17 de maio de 2014

A bagunça da TV paga que nos faz idiotas pagantes

Cláudio Messias*

Quem tentou assistir Barcelona (1) x (1) Atlético de Madrid, hoje, pela final da Liga Espanhola de Futebol, deparou-se com uma verdadeira palhaçada das negociatas de transmissão envolvendo grupos brasileiros de comunicação. Aqueles acostumados a ver os jogos pela ESPN perceberam que às 13h00 (horário de Brasília) não havia transmissão da partida do time de Neymar e Messi em nenhuma das três opções pagas do canal norte-americano que desde os anos 1990 aportou em terras tupiniquins.

Fuça daqui, fuça dali, o assinante de TV paga encontrou o canal Sports+ transmitindo, com a competente narração de Maurício Bonato, a grande revelação da locução esportiva televisiva dos últimos anos no Brasil, a derradeira partida do Espanhol. Nem todo assinante, contudo, teve esse privilégio. O canal Sports+ é exclusivo da Sky. Sim, quem assina Claro TV, Oi TV, GVT, Vivo TV, entre outras operadoras, ficou na mão. Essa maldita exclusividade de transmissão sacaneia a todos.

Na semana já havia ocorrido palhaçada semelhante. O canal Esporte Interativo, que quando surgiu adotou o lema da democratização das transmissões e de quebra da hegemonia das grandes empresas de comunicação do país, não demorou para transformar-se em mais um controlador de conteúdos. Migrou de sinal aberto a sinal fechado e, depois que alguma cigana contou aos donos do canal que a internet seria o sacramento de seu domínio, adotou a política do pague para ver. Narrações péssimas, trabalho amador e, ainda por cima, pago. Nesse ínterim, dentro de negociações que privam canais da dita TV paga, o Esporte Interativo transmitiu, com exclusividade, a final da UEFA Europa League, entre Sevilla x Benfica. Assinantes de quase todas as operadoras que citei no parágrafo anterior ficaram privados de ver o jogo, inclusive na ESPN, que transmitiu os jogos até as semi-finais.

Ora, que democratização é essa? Do jeito que a coisa anda, daqui a pouco nós, audiência, teremos que assinar pacotes de duas ou mais operadoras para assistir a determinados jogos ou torneios, quando não tivermos que complementar o investimento mediante acesso de conteúdos exclusivamente online. Assinaturas, digamos de passagem, nada baratas e com transmissões menos ainda condizentes ao que é pago. O próprio Sports+, da Sky, transmite jogos da NBA, nos play-offs finais, que ESPN e Space não transmitem, o que significa que assinantes de operadoras como GVT, Vivo TV, Oi TV e Claro TV, entre outras, mesmo pagando, não podem assistir à totalidade dos confrontos do melhor basquete profissional do mundo. Saber qual jogo do dia passará e em que canal, então, só recorrendo a buscas na internet ou conferindo as tábuas de programação - nem sempre completas - de jornais impressos.

Em 2010, em Recife, encontrei um grande amigo de nosso saudoso Luciano do Valle. O narrador da Band sempre ia à capital pernambucana para desestressar e, entre os amigos que fez em Boa Viagem, confidenciava sentir vergonha do papelão que as emissoras de TV paga protagonizavam ao privar o público do sagrado direito de ver, enquanto audiência esmagada pela selvagem concorrência dos grupos de comunicação, aquilo que lhe era de direito. Ao amigo pernambucano Luciano se referia a essa picuinha em que um canal pago compra determinadas fases de campeonatos estrangeiros, só para pegar a melhor fatia do bolo no final.

Saudades, claro, dos tempos em que assistíamos o campeonato italiano que tinha Maradona, Zico, Careca, Platini, entre outros, aos domingos pela manhã, na tela da TV Bandeirantes, pagando, somente, com a credibilidade materializada em forma de audiência que, por sinal, fazia do domingo esportivo a principal fonte de receita do canal da família Saad. A mesma época em que a NBA era atração nos finais de noite e inícios de madrugada das sexta-feiras, naquela mesma sintonia. Na TV Cultura, o campeonato alemão tinha partidas aos sábados pela manhã. Na Record, quem quisesse ver o futebol de várzea da Grande São Paulo assistia ao desafio do galo, nas manhãs dominicais.

Hoje, como protesto, desliguei a TV aqui, em Campina Grande, e peguei o notebook. Como a GVT não tinha canal que transmitisse o título do Atlético de Madri em plena Barcelona, voltei ao mais legítimo canal de cobertura democrática de partidas de futebol, não sem dar um pitaco de tecnologia. Com a narração de Rogério Assis e comentários de Flávio Prado, a rádio Jovem Pan AM foi minha faixa de sintonia, na versão online. Transmissão, claro, originária do formato tubão (narrador, comentarista e repórter num só estúdio, assistindo ao jogo pela TV, como se estivessem no estádio), mas dando conta do que é principal: a informação.

É nessas horas que o uso da imaginação, via online, tem mais valor do que aquilo que se paga. Que se dane a hegemonia da comunicação, com igual caminho àqueles pseudos que se dizem donos da contra-hegemonia e, na realidade, apenas aguardam o exato momento de fazer parte dela. E, nisso, o rádio continua imbatível na histórica trajetória de destituir os donos da telinha.

*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.

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