sábado, 22 de junho de 2013

EU, DA POLTRONA – O que, enfim, Felipão tem contra Lucas?



Cláudio Messias*

A Arena Fonte Nova engrossou, hoje, a furada estatística que Globo/Fifa usam para maquiar o sucesso de público dessa Copa das Confederações. Desde o horário do almoço os repórteres globais entram falando de estádio lotado para o jogo Itália x Brasil e o que se vê, na execução dos hinos nacionais, são cadeiras verdes vazias. E não foram poucos os lugares não ocupados. Medo dos protestos? Com certeza, não. Então as copas das Confederações e do Mundo não foram feitas para os padrões da economia brasileira? Com certeza, sim.

Quando a bola rolou tive a sensação de que poderíamos terminar o jogo com menos de 22 jogadores em campo. Duas contusões pelo lado italiano, uma pelo lado brasileiro e uma série de cartões amarelos que é bem a cara de Felipão. Neymar, claro, não sabe marcar. Mas Felipão ensina em questão de minutos e, igualmente em minutos, lá vai o atacante ficar pendurado. Batemos, e muito, na Itália. Mas, a recíproca foi mais que verdadeira. A Itália não só bateu, mas, principalmente, foi desonesta. Parecia jogo do Baixadão, em que a canela fica situada no pescoço.

Taticamente, a Seleção de Felipão tinha Ernanes no lugar de Paulinho. O volante que entrou jogando havia falado para a Globo que suas características fogem da de Paulinho. O substituído joga mais avançado, Ernanes joga mais na criação pelo meio. Na prática, Paulinho é um volante que faz as partes de meia atacante, enquanto Ernanes é um volante que se dá bem criando como meia de armação. Isso na fala de Ernanes, pois na prancheta de Felipão Ernanes foi, sim, um primeiro volante, uma vez que o fraco Luiz Gustavo ficou recuado como terceiro zagueiro, principalmente com a saída de David Luiz e a entrada do contestável Dante.

Hoje Felipão ousou começar com um 3-5-2 que avançou os laterais Daniel Alves e Marcelo. O técnico quis fazer pressão na Itália e inverter as coisas. O Brasil, sim, jogou em linha e forçou a marcação italiana em linha. Ficamos atrás da linha da bola nos minutos iniciais e demos a impressão de que faríamos um gol logo. Só esquecemos de avisar a comissão técnica italiana, que rapidamente inverteu o sistema 4-4-2, armou um 4-2-3-1 e, plantando Balotelli na frente, forçou o recuo em linha do time brasileiro. Foi nessa condição que o futebol de Ernanes desapareceu nos 90 minutos, pois era dele a função de neutralizar a ligação meio-campo>ataque dos italianos.

Fizemos o primeiro gol com Dante em uma das poucas falhas da boa zaga italiana. Aliás, a Itália merece o nosso respeito no aspecto físico, pois fez, contra o Japão, um jogo muito mais cansativo e desgastante que o nosso, contra o México, e não afrouxou um momento nos 90 minutos. E pouco falhou, pois os gols tomados neste sábado foram fruto, é de se reconhecer, da qualidade do jogador brasileiro.

Qualidade do futebol preciso e em franca evolução de Neymar. Tenho a sensação de que a melhor coisa que aconteceu para esse rapaz foi ter saído do Santos. Não pelo ex-time em si, mas pela prisão que mantinha encarcerada a sua vontade de explodir para o mundo do futebol. Santos era pouco demais para Neymar. Um atacante ligeiro, ousado, que já não cai, mais, com tanta facilidade. E quando sofre falta, torna-se a continuidade de perigo de gol. Perigo que transforma-se em redes balançando como no segundo gol de hoje contra a Itália. Neymar sofreu a falta, Neymar cobrou a falta, Neymar fez o gol.

Minha desconfiança sobre Neymar estava centrada no fato de ele talvez não saber jogar entre zagueiros europeus, suspeita essa que ganhou corpo com o sumiço dele diante de adversários como russos e ingleses nos amistosos preparatórios para a Copa das Confederações. Hoje, contra a Itália, Neymar disse, na linguagem do futebol, “prazer, europeus; eu sou o Neymar”. Jogou muito, mas, pendurado pelo cartão amarelo que a estupidez tática de Felipão produziu, nossa maior estrela teve de sair.

No universo do futebol, hoje, existem duas estrelas brasileiras brilhando. Uma delas é Neymar, que ainda vai mostrar-se ao mundo através da Europa, de Barcelona. A outra já brilha há um ano e talvez ganhe destaque igual ou maior à de Nerymar na temporada 2013/2014: Lucas. E se Lucas brilhou, dia desses, no trio com Oscar e Jô, por que, então, Felipão fez o teste de seus sonhos colocando o imaturo Bernard no lugar de Neymar aos 24 minutos do segundo tempo? Estava 2 a 1 no placar e muita água passaria por baixo da ponte. Se estou errado, raro e exceto leitor, me diga qual foi a importância de Bernard no resultado final do jogo? O que ele fez nos demais 21 minutos de tempo normal em que esteve em campo?

Minha elucubração mais tácita é relacionada a o que Felipão tem contra Lucas. O melhor jogador do campeonato francês na temporada passada é discreto, fala pouco e somente o necessário, dá o sangue em campo, brilha mais que muita estrela titular de Felipão, mas amarga a certeza do banco. Hoje, terceiro jogo que só valia a primeira colocação do grupo, todo mundo fez testes. Até o México, no insignificante confronto com o Japão. Mas, nem nos testes Lucas entrou. Era hora de vê-lo jogando com Oscar na armação e Fred na frente. Assim, nosso 4-3-3 ficaria perfeito, pois Ernanes avançaria para a criação, serviria Oscar, que abasteceria Fred e Lucas. Fred, então, , poderia jogar fixo na frente, puxando para trás a marcação italiana e, assim, dando mais respiração ao nosso setor defensivo.

Mas, não. Felipão teve a capacidade de tirar o guerreiro Huck e colocar o ótimo Fernando. E comprovou que depois de Ronaldo-comentarista-de-corrida-de-tartaruga Casagrande é amem a tudo. Os dois concordaram que recuar o time antes dos 30 minutos era bom, pois aquilo garantiria a primeira colocação e eliminaria o pesadelo de enfrentar a Espanha nas semifinais. Fernando, volante, joga mais que Luiz Gustavo e Ernanes juntos. Entrou e fez a Seleção ter a sensação de que Paulinho estava em campo. Forte na marcação e rápido na armação, facilitou para que a bola chegasse com mais rapidez a Oscar, que ora avançava pela direita, ora pela esquerda. Com isso, os italianos ficavam sem saber o que fazer, pois tanto Marcelo quanto Daniel atacavam em linha com o meio e permitiam a Fred ser o referencial de frente.

Fred, hoje, fez dois gols e em 90 minutos igualou o que Jô fez em dois jogos que entrou. Ótimo isso, pois eu já defendia que Jô, um ótimo auxiliador de marcação, estava merecendo entrar como titular. Dizia e digo isso porque, pra mim, qualquer um dos dois é titular e reserva do outro e resolverá os problemas da Seleção quando entrar no segundo tempo, ou seja, se Jô for titular, a Seleção passar por problemas táticos que culminem em dificuldade de fazer gols e precisar de modificação, é Fred a alternativa, com a certeza de que entrará e resolverá. Dois centroavantes legítimos como o é, também, Leandro Damião. Estamos bem; muito bem, na oposição.

Os dois gols feitos pela Itália resultaram de falhas de marcação que considero normais. No primeiro gol prefiro acreditar que com David Luiz no time não teríamos cometido a falha de marcação. Já o segundo gol, pasmem, teve a participação de um árbitro que é a cara da Fifa, uma instituição que adora fazer moral com países nem tão desenvolvidos no futebol. Bizarrice aquele homem de preto apontar a marca do pênalti e, na sequência, apontar o meio-de-campo validando o gol italiano. Um gol que deveria receber placa no Fonte Nova, com o nome de Josef Blater.

Admito que vejo maturidade nessa Seleção Brasileira e avanço, muito avanço, em relação ao que vi nos amistosos que marcaram o início de trabalho de Felipão. Hoje, contra a Itália, apanhamos, mas também batemos. Fomos agredidos, e também agredimos. Atacamos e fomos atacados. Fizemos gol, tomamos gol e soubemos manter o ritmo de balançar as redes. E você pode estar perguntando: e isso não está bom, não é suficiente? Sim, é suficiente, para a realidade desse jogo contra a Itália. Estamos todos prenunciando a final Brasil x Espanha e, convenhamos, essa mesma Itália acostumou-se, na Eurocopa, a tomar pancada dos espanhóis.

Concordo com Felipão que não temos tempo para testes e que daqui por diante buscamos o homogêneo futebol brasileiro. Temos um craque que desequilibra, que é Neymar, um zagueiro xerife chamado Thiago Luiz, um volante que avança, ou seja, Paulinho, um cérebro criador chamado Oscar e um centroavante marcador de nome Fred. Nossos dois laterais são os melhores da posição no mundo. Isso, em si, já basta para mostrar que uma eventual final contra a Espanha fará o futebol espanhol estranhar a falta de hegemonia. Não tenho dúvidas de que os humilhantes 70% de tempo de posse de bola não irão se repetir contra nós. Dividiremos, pois, a bola com equidade. Mas, a meu ver, carecemos de uma opção de velocidade, que faça triangulação com Neymar e Oscar e chegue, em trio, na cara do gol espanhol. Essa opção é Lucas, que sacrificaria Huck. Dada a força física e o poder de marcação de Huck, contudo, a opção de Felipão tende a ser manter mesma formação dos últimos jogos. E, nesse aspecto, dou um pouco de razão a ele.

Antes da Espanha deveremos ter o Uruguai, time ligeiro e que tem características semelhantes à do Brasil. Não será, porém, páreo para o nosso futebol, ainda mais se tivermos como parâmetro os convincentes 4 a 2 sobre a Itália. Será, aí sim, o jogo para Felipão voltar a dar oportunidade a Lucas. Se der, é porque, hoje, ele tratou o jogo contra a Itália apenas como confronto para definir posição na chave. Se não colocar, é porque continua, sim, o mesmo marrento que só coloca a própria unanimidade em campo, em detrimento do consenso público.


*Professor universitário, historiador e jornalista, é mestre em Ciências da Comunicação pela EC/USP.

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