sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Homem-com-cérebro-de-óleo-queimado e outras lendas humanas e urbanas de Assis


13 Setembro 2012


Cláudio Messias*

Já disse, aqui, que minha infância foi passada nas imediações do Assis Tênis Clube. Meu pai, ferroviário, minha mãe, lavadeira, não tinham lá muito tempo para a tutela permanente dos três filhos. E, nessa condição, amigos vizinhos em tropa, aproveitávamos para inesquecíveis aventuras Buracão adentro. Claro, sem o consentimento de nossas mães.

Mãos atadas pelas circunstâncias que exigiam suas permanências dentro dos lares, em uma realidade social em que as mulheres tinham três ou mais filhos e ficavam impossibilitadas de adentrar, por motivos culturais, ao mercado formal de trabalho, nossas mães faziam uso das lendas urbanas para colocar medo em nossas cabeças e, assim, fazer com que ficássemos o mais próximo possível dos ninhos. Nem sempre essa estratégia dava certo.

Podíamos não ter medo do Buracão, como realmente não tínhamos. Exceto em dias de chuvas, temporais de verão, quando víamos com os próprios olhos as barrancas cederem e levarem, como foram os casos testemunhados por mim, cercas de madeira, árvores, animais domésticos e até casas inteiras. Bastava chover e nos recolhíamos todos, cada um na sua casa.

Mas o medo que nossas mães colocavam em nossas mentes estava sempre relacionado a pessoas. Vejo Rozana, minha esposa, falando que morria de medo da “mata do Fabrício”, cheia de histórias fantásticas. E numa reflexão conjunta sabemos que, na época, a intenção não era necessariamente advertir para o perigo de morrer naquela “floresta negra”, mas, sim, não ultrapassar o limite urbano geograficamente estabelecido por aquela propriedade.

As histórias relacionadas a Fabrício sempre foram exageradas. Verdadeiras hipérboles urbanas. Poucos sabem que aquela figura conhecida por todos nas imediações das vilas Operária, Ribeiro e na antiga Três Porteiras era, na realidade, um dos maiores proprietários de imóveis da cidade. O loteamento de suas terras deu origem a bairros inteiros, situação social ocultada pelo fato de o protagonista ser folclórico, destemido e irreverente.

Mais adiante, na região central da cidade, tinha o Robin Hood assisense chamado Lucrécio. Um líder comunitário de força política inigualável e assíduo frequentador dos espaços públicos da Prefeitura, onde cobrava ações enérgicas e eficazes do poder público para solucionar os problemas de avanço do Buracão. Ex-prefeitos como Abílio, Reinaldo e Zeca Santilli fizeram verdadeiras audiências públicas em frente à comunidade onde Lucrécio residia com a família, na baixada da rua André Perine. Saíam de seus gabinetes, visitavam as obras no Buracão, não sem antes visitar formalmente Lucrécio.

Aqui mesmo, onde hoje é nossa casa, foi uma horta de couve famosa nos anos 1970/80. Não necessariamente pela qualidade das folhas comercializadas, mas por quem a comercializava. Meu vodrasto (segundo casamento de minha avó paterna, Florcela) José Rosa de Almeida era um sergipano, negro, conhecido nas redondezas por ser ruim feito uma peste. Sobre esse lado malvado dele pouco ou nada posso dizer, pois seu falecimento, em 1979, aconteceu quando eu tinha 9 anos de idade, fase de minha vida em que não sabia distinguir que ele não era pai de meu pai. Enfim, era meu avô e, como tal, um velhinho bondoso, carinhoso e extremamente atencioso com nossa família, a quem permanentemente socorria com alimentos e vestuário.

Zé Rosa, como era conhecido, tinha uma bicicleta Calói branca e transitava pela cidade com um embrulho de jornal na garupa. Ali dentro ficava uma cartucheira de cano duplo, sempre carregada com dois cartulhos e outros de reserva. O sergipano, chamado aqui no bairro de “nortista”, trazia a cultura de um estado de defesa permanente. Já na adolescência eu soube por que. Um recorte de jornal encontrado dentro da mala de couro, onde estava a história material daquele sergipano, o mostrava como um dos integrantes da tropa de sargento Bezerra que mataram o bando de Lampião. Minha avó, antes de morrer, confirmou que a gratificação recebida do governo e de fazendeiros deu condições de Zé Rosa vir para São Paulo e, na fase final adulta, trabalhar e aposentar na ferrovia.

Mas o assunto, aqui, raro e exceto leitor, é o uso do imaginário infantil. Figuras como Fabrício, Lucrécio e Zé Rosa eram fartamente utilizadas pelas mães para delimitar o território por onde os filhos poderiam brincar. Não representavam ameaça alguma, até porque viviam cercados por crianças. Deparar com eles, contudo, representava necessariamente um engolir forçado de saliva, um suspiro e, se possível, um cortar de volta. Isso quando simplesmente não voltávamos correndo, com olhos esbugalhados.

O medo maior de minha mãe era o Buracão, com ou sem chuva. É cruel isso, mas extremante compreensível: para colocar medo em nossas cabeças, mães como a minha e de meus amigos diziam que atrás do Tênis Clube havia índios que comiam gente. Pronto. A imaginação infantil trabalhava e lá íamos nós imaginar que índios poderiam existir ali naquela região.

Antigamente havia uma estrada de terra que dava acesso ao Matão. Com o avanço do Buracão a borda da cratera chegou muito próximo dessa estrada, onde hoje está a portaria que dá acesso privado ao salão de festas do clube. Era por ali que passávamos do mundo permitido para o mundo proibido. O barulho que o vento fazia ao passar por entre as folhas dos imensos bambuzais tornava o rompimento de regras ainda mais tenebroso.

Guardo até hoje no imaginário a figura de um índio com cocar feito de longas penas brancas, montado em um cavalo, que poderia estar nos esperando nas imediações daqueles bambuzais. Constructo imaginário resultante, claro, da hegemônica influência doe enlatados norte-americanos que invadiam a programação da TV brasileira naquela primeira metade dos anos 1970.

Com o avançar da idade – me refiro a meses passados, e não a anos – o bambuzal ficou para trás e dei a volta em torno do Tênis Clube. E lá conheci outras crianças, com as quais aprendi a brincar de modos diferentes dos tradicionais. Em vez de hominhos de plástico e carrinhos fazíamos os próprios brinquedos com limões e cachos de semente de mamona ainda verdes. Essa amizade durou até 1977, quando mudamos de residência e passamos a morar distante dali.

Quando já estava na imprensa recebi, na redação da rádio Cultura, um senhor que reclamava de invasão de particulares a uma área que, dizia, lhe pertencia. Reconheci aquele senhor, pois era pai dos amigos que conheci atrás do Tênis Clube. Descendente da etnia caiapó, ou seja, indígena legítimo. Daí, pois a explicação para o fato de o cercamento da propriedade ser feito por galhos de árvores enfileirados e as casas terem cobertura vegetal. Minha mãe estava, em parte, certa. Havia índios atrás do Tênis. Em partes porque aqueles indígenas em nada condiziam à construção imagética que a sociedade fazia dos nativos das Américas.

Cito essa construção de imaginário coletivo para chegar ao consenso público criado acerca dos personagens que habitaram e habitam as nossas ruas no cotidiano. A lenda urbana do “homem do saco” cruza o país em todas as regiões, mas na minha época era fortalecida pelos casos de desaparecimento de crianças em Assis. Na boca de nossas mães, aqueles boatos que ecoavam nas emissoras de rádio e, assim, nos chegavam na condição de verdade absoluta, eram referentes a crianças que, roubadas de seus lares, eram colocadas em sacos e depois jogadas no Panema –leia-se rio Paranapanema.

De pequenas bobagens essas construções do saber popular levaram a generalizações. Quem não se lembra de Paraíba, sua esposa e do cachorro que o casal carregava sobre um carrinho de coleta de papelão? Paraíba vivia nas imediações do Mercadão, tinha um apito pendurado por cordão no pescoço e volta e meia fazia as partes de agente de trânsito, anos, muitos anos antes de o serviço ser formalizado pela Prefeitura. Os adultos o ignoravam e até mesmo zombavam daquela figura popular. Mas as crianças... Ah, as crianças... Elas morriam de medo de Paraíba. Tudo porque, quando não estava com o carrinho, ele perambulava pela cidade com um saco nas costas, levando ali dentro todo o patrimônio físico que possuía. Claro, na cabeça das crianças o “homem do saco” realmente existia, tinha esposa, cachorro e apitava no meio da rua.

Aquela segunda metade da década de 1980 talvez tenha sido o período da história de Assis em que mais lendas humanas ocuparam as vias da cidade. Além de Paraíba tínhamos a Maria do Mercado, que teve seu auge no bataclã mas, dominada pela bebida, sofreu todas as consequências conhecidas desse vício ao desenvolver praticamente todas as doenças do gênero. Contemporâneos a ela e igualmente portadores de distúrbios haviam Ranchinho, que acompanhava quase todos os féretros desde a catedral até o cemitério; Mamãe, que percorria a Rui Barbosa várias vezes ao dia; Agnaldo, com sua fala fanha e um sorriso caricato, e Sovaquinho, que com seu violão fazia e até hoje faz exibições principalmente em praças públicas e estabelecimentos comerciais de maior movimento.

São lendas urbanas, huamanas, que não carregaram a herança de ícones amedrontadores de crianças mas estão cristalizados nos capítulos da história da cidade. Pessoas do bem, sempre acolhidas por assisenses das mais variadas camadas sociais e, inclusive, tendo passado por ações de intervenção principalmente por parte de médicos. Não raro, ouve-se que este ou aquele personagem urbano esteve internado, fez um ou outro tratamento que, normalmente, um sujeito advindo de realidade social similar não teria condições de arcar. É a essa intervenção que me refiro.

Com o passar do tempo e a condição que Assis atinge de cidade com qualidade de vida visível e, o que é normal, questionada, os personagens urbanos estão mudando. Nossas crianças e nós mesmos começamos a temer situações que vão além de ser colocado em um saco e jogado no Panema. Sair com a esposa para uma caminhada no final da tarde pode significar voltar para a casa depois de passar pelo setor de emergência de um hospital e ter diagnosticada a possibilidade de perda de audição de um dos ouvidos.

Nossas crianças, cada vez mais alimentadas futilmente, podem chegar ao sonhado ensino superior público e ser reduzidas à irracional condição de quadrúpedes pelo simples fato de terem alguns quilos a mais de peso em relação a praticantes de um tipo nada convencional de rodeio. E isso, depois de terem sido aprovadas no curso superior mais concorrido da cidade.

A inversão de realidade é brusca se comparados forem os períodos distribuídos ao longo das últimas três décadas em Assis. Lembro-me de um curso de capacitação que frequentei nos anos 1990, época em que prevalecia o discurso do “não pode com ele, alie-se a ele”. E em se tratando de lendas urbanas vejo que isso, hoje, tornou-se algo insano e totalmente fora do contexto.

Chego de viagem ao Nordeste, onde participei de congresso científico, e fico sabendo de um acontecimento, aqui,  que enquadro como insano. Busco, no acervo de jornais impressos e informativos online, o registro de tal fato. Não encontro. E daí vêm as elucubrações: se aconteceu e tem relevância social, inclusive produzindo vítimas e danos materiais flagrados por câmera de vigilância, tem registro formal de ocorrência. Mas o jornalismo, aí, falhou. O fato não foi transformado em notícia. Tudo bem, de acontecimento temos mera especulação.

A existência do homem do saco foi especulada por várias gerações de mães que, trabalhadoras domésticas, do lar, tinham preocupação com suas crias. O cinema e a televisão demonizaram a imagem do índio norte-americano, que representava uma ameaça à Conquista do Oeste naquela parte de cima da América. Gerações de crianças aprenderam a temer tais figuras, mas gradativamente trocaram seus medos.

Agora surge um novo tipo de sujeito social a ser temido pelo imaginário. Dizem que tem um ser curioso andando por aí. Em vez de massa encefálica a cabeça dele é cheia de óleo queimado de motor. A ressalva é que esse monstrinho social só ataca se sentir-se ameaçado, tal qual cobra e outros animais que, encontrados nos mais diversificados ecossistemas, são dotados de poderosas armas de defesa.

Portanto, é bom ter cuidado, principalmente em um momento histórico em que o número 7 (SETE) faz a cidade ficar tão confusa em suas decisões sobre futuro. Muita gente não acredita na existência desse monstrinho social que anda esvaziando a cabeça por aí, achando que não é vista. De repente, pode até ser. Afinal, se ninguém mostrou isso que as câmeras registraram é porque realmente não existiu. Ou alguém já viu algum jornal ou rádio entrevistar o homem do saco em Assis?


FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA

 AUSÊNCIA RESSECADA I

Fiquei ausente neste espaço por mais de um mês. Coincidência ou não, postei o texto anterior quando da última chuva que caíra na região, lá pelos idos da segunda quinzena de julho. Ontem, choveu. Poucos milímetros, mas o suficiente para molhar muita roupa que estava no varal em Assis..

AUSÊNCIA RESSECADA II

Além de compromissos acadêmicos e de pesquisa ainda tive afazeres residenciais de pós-obra. Entre um ajeita daqui, conserta dali, uma viagem a Fortaleza, onde apresentei minha pesquisa de doutorado no XXXV Congresso Nacional da Intercom, evento em que sou, também, júri no Expocom, que premia trabalhos de graduação em Jornalismo classificados nos congressos regionais da Intercom realizados no primeiro semestre.

AUSÊNCIA RESSECADA III

Saí daqui com quase dois meses de estiagem no clima. E cheguei a um Ceará onde a última chuva regular caiu em fevereiro. No Nordeste, a chuva costuma cair regularmente entre maio e junho. Em 2012, contudo, isso não ocorreu. Essa já é considerada a pior seca dos últimos 30 anos.

VIAGENS I

Setembro é, tradicionalmente, um mês de compromissos de pesquisa fora de Assis. Neste domingo, dia 16, embarco novamente rumo ao Rio de Janeiro, convidado que fui pelo secretário nacional de Cultura, Sérgio Mambertti, para integrar evento que discutirá políticas públicas para a cultura nos próximos dez anos. Na ocasião representarei formalmente o Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes da USP.

VIAGENS II

Mesmo no retorno do Rio, dia 19, sei que reencontrarei uma Assis ainda sem chuvas. Minha esperança é que nos compromissos que terei na Europa, de 24 de setembro a 3 de outubro, as chuvas regulares da primavera estejam reinando por aqui. Meus compromissos no velho continente são o III R@dio em Congresso, dia 26, e o X Congresso Lusocom de Ciências da Comunicação, em Lisboa, dias 27, 28 e 29. Dias 30 e 31 sigo para o Santuário de Fátima, para cumprimento de intenções religiosas. Dia 1º terei encontro de pesquisa com Roberto Aparicci, da Universidade de Ensino a Distância de Madri, na Espanha, e dia 3, com professor Pier Césare Rivoltella, na Universidade Católica de Milão, na Itália.

AMIZADE

Durante minha ausência setembrística conto, na Fema, onde leciono no curso de Jornalismo, com a solicitude de minha amiga Silvana Paiva. A professora e jornalista me substitui nos dias em que estou fora. Farei a compensação a ela até novembro!

MEDIDA INCERTA I

Em minhas idas de pesquisa ao Nordeste aprendo, a cada viagem, um pouco sobre a culinária peculiar daquela região. Desta vez aprendi, em Fortaleza, a fazer o que eles chamam de legítimo baião-de-dois, acompanhamento do arrumadinho de car-de-sol que tornou-se minha especialidade na cozinha.

MEDIDA INCERTA II

Àqueles que não sabem, um toque: baião-de-dois é a junção, numa mesma porção, de arroz e feijão. No caso do Nordeste, feijão de corda. A diferença em relação às receitas desenvolvidas aqui no Sudeste é que no Ceará o baião-de-dois leva nata de leite, e não o creme de leite como fazemos por aqui.

MEDIDA INCERTA III

E por falar em cardápio, noite de comilança serviu, semanas atrás, de puxão de orelha. Fui cobrado a ter coerência naquilo que defino como cardápio. O autor da bronca testemunhou este que vos escreve devorando fortemente em um churrasco no ATC. Era uma sexta-feira. E, aqui, eu havia afirmado, anteriormente, que às sextas-feiras adotara o peixe no cardápio.

MEDIDA INCERTA IV

Esclarecendo, eu me refiro ao cardápio do almoço. À noite, numa sexta-feira, não dá para ficar no peixinho e na água mineral, convenhamos!!!

FECHA-CONTA

Naquela rotina de cortar gordura animal e reduzir a porções mínimas açúcar e sal tive duas alterações de medida que considero fortes: 7 centímetros de barriga (também conhecida como pança) e peso na casa dos 95 kg. Falho, e feio, nas atividades físicas, deixadas de lá há semanas.

ÊXODO INVERSO

O casal proprietário da padaria Pão da Vida, na Vila Operária, retornou à terra de origem, Alagoas. Ivo e esposa pegaram o casal de filhos e há 15 dias regressaram para o sertão. Venderam o ponto para outro casal. Conferi isso nesta semana, quando comprei pãezinhos logo cedo na segunda, dia 10. A segunda boa notícia é que a qualidade do pãozinho, já classificado por mim, aqui, como o melhor de Assis, continua a mesma.

CASA NOVA

Quem também está mudando o negócio de lugar é Bruna Jaloretto, proprietária da franquia de Assis da CVC Turismo. Saiu do HiperCenter Amigão e está atendendo na rua José Nogueira Marmontel, a meia quadra da Catedral. É através de Bruna que cruzo fronteiras Brasil afora.

SUSTO

Meu amigo Alexandre Takazawa, jornalista proprietário do site Assis Notícias.com.br, deu-nos um susto. Portador de diabetes e, diríamos, um comportamento de consumo nada condizente a esse quadro patológico

Nenhum comentário :