quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ninguém mais quer ser pedreiro em Assis?


20 Setembro 2011

Ninguém mais quer ser pedreiro em Assis?

Cláudio Messias, historiador, jornalista, professor universitário e educomunicador.


Iniciamos, em casa, uma reforma programada para durar vinte semanas. Antes, fizemos o planejamento da obra. Arquiteto contratado, recebemos a recomendação de, também, solicitar o serviço de um engenheiro civil. Todas as plantas nas mãos (hidráulica, elétrica, estrutural e física), documentação regularizada junto ao CREA e à Prefeitura, demos largada à nossa saga: reformar a casa morando nela.

Amigos que passaram recentemente pela experiência de reformar e/ou construir prenunciaram diversos tipos de caos, agora confirmados: o orçamento estoura, os prazos são dilatados e a paciência esgota-se concomitante ao esvaziamento de seu crédito bancário. Até aí, tudo bem. Não posso me dizer desavisado. O que ninguém me avisou, talvez por também desconhecer essa realidade, é que pedreiro é um profissional em extinção. Não, não é exagero. Ninguém mais quer ser pedreiro. Preconceito ou distinção em relação a essa honrosa profissão? Não. Vamos contextualizar.

Meu construtor contratado é da nossa confiança há mais de dez anos. Com os projetos em mãos ele nos passou um orçamento inicialmente questionado mas posteriormente, sob conselhos de arquiteto e engenheiro, aprovado de maneira a arredondar o valor para mais. Sim, me convenci de que o desafio da obra era grande e deveríamos pagar até a mais.

Na vida é assim: só percebemos que existe um pé de Ipê quando ele, entre o outono e o inverno, dá suas lindas floradas brancas, rosas, amarelas ou roxas. Ademais, é uma planta até certo ponto feia, desajeitada. O que isso tem a ver com a minha ou qualquer outra obra? Igualmente, só percebemos o espetáculo que envolve uma obra quando a vivenciamos de perto. Principalmente se o prédio reformado for a sua casa, a sua morada. Afora isso, qualquer obra é até4 certo ponto feia, desajeitada e torna-se bonita, florida, quando pronta, acabada.

Desde que a obra começou já vi um sem-número de serventes e pedreiros passando por cômodos onde antes foram nossa sala, o quarto de nossos filhos, o banheiro coletivo. A rotatividade é grande. O construtor não muda, mas os demais... E isso me intrigou um pouco. Chamei o construtor para conversar e perguntei o por quê daquela situação, até porque teve dia (7 até agora) que a obra simplesmente parou por insuficiência de mão-de-obra. “Ninguém mais quer ser pedreiro, Cláudio”, me disse, já conformado, o chefe da tropa.

E por que ninguém quereria ser pedreiro? Vamos, por partes, ao perfil dessa profissão para tentar entender essa incógnita. Se você decide aprender a práxis da construção civil e não quer fazer um dos diversos cursos profissionalizantes que existem na cidade e na região, vai para o canteiro de obras ser servente, ou seja, pegar pesado. Na divisão de classes o servente é aspirante de pedreiro. Abre a cova para que este levante o alicerce. Alicerce este cuja massa, concreto e ferragem também são preparados pelo servente e aplicados pelo pedreiro. E este pedreiro é um só? Não. Há o pedreiro que assenta tijolos, o que reboca paredes e o que dá acabamento. Afora isso tem o serviço do encanador, do eletricista e do carpinteiro. E, claro, do pintor. Todos sob supervisão do construtor, sendo, este, um profissional que geralmente foi servente há 20 ou 30 anos atrás, quando quis aprender o ofício.

E quanto ganha um servente ou um pedreiro? Na média, respectivamente, R$ 35 e R$ 75 por dia. Quantos dias eles trabalham? Cinco ou, em alguns casos, seis dias, entrando às 7h00 e saindo às 17h00, com uma hora de intervalo para almoço. Um servente, portanto, ganha de R$ 175 a R$ 210 por semana, ou de R$ 700 a R$ 840 por mês. Já o pedreiro ganha de R$ 375 a R$ 450 por semana, ou R$ 1.500 a R$ 1.800 por mês. O construtor que faz a gestão da empreita ganha o que restar disso, fixando o valor por metro quadrado trabalhado.

Voltemos ao início dessa interessante divisão de classe. Um servente que não se acomode na função pode tornar-se um pedreiro caso queira aprender o ofício que está à sua frente. Ou seja, mais que dobra o ganho se acaso aperfeiçoar-se no ramo que escolheu para trabalhar.

E você pode estar me perguntando: e por que pedreiro é um profissional em extinção, como disse meu construtor, responsável pela empreita, se há tantas obras espalhadas pela cidade? Realmente, é complicado entender isso, mas com esforço chegamos lá. Complicado porque na ponta do lápis um servente ganha mais do que uma empregada doméstica que fica na labuta 8 horas por dia e recebe um salário mínimo por mês. Um pedreiro ganha o equivalente a um jornalista em início de carreira em emissoras de rádio, e TV ou jornais do interior de São Paulo. E o construtor, desde que administre bem a obra, tem lucro maior do que muito microempresário esfolado por taxas e impostos.

A explicação que encontro para esse fenômeno está na educação. É observando e comprovando que a classe média realmente aumentou, ou seja, que cada vez mais cidadãos deixaram a condição de pobreza extrema, que entendemos que a educação, no Brasil, está timidamente avançando. Timidamente, mas com profundidade. Com nível de escolaridade melhor as aspirações por uma profissão menos sacrificante aumentam.

Nos anos 1990 uma grande usina da região investiu na formação dos seus profissionais, especialmente os cortadores de cana. O objetivo era, também, dar qualificação para que a mão-de-obra existente estivesse preparada para a mecanização da colheita da cana de açúcar. Resultado: poucos ou quase ninguém mais quer cortar cana à mão. Igualmente, buscam-se maiores e melhores aspirações profissionais. Sai-se ainda mais do campo e busca-se emprego na cidade. Emprego de pedreiro? Não. Emprego que as inúmeras oportunidades de cursar o nível superior propiciam.

Se os pedreiros vão acabar eu não sei. Mas que estamos vivenciando algo que, por exemplo, economias fortes como a do Japão experimentaram décadas atrás, isso estamos. Basta olhar para o perfil de nossos cortadores de cana e veremos muitos maranhenses, enfim, nordestinos vindos de longe. Eles vêm cortar a cana que os escolarizados daqui preferem não cortar para inserirem-se no mercado que a qualificação lhes proporciona.

Um dia vimos nossos parentes indo para o Japão em busca de emprego e renda melhores. Não seriam, estes brasileiros, os maranhenses que hoje vêm cortar a cana que preterimos como profissão? Eu acho que sim, pois nossos brasileiros, menos qualificados, aceitavam fazer o que os japoneses, qualificados, preteriam.

Algo a refletir e aplausos a reservar a quem na sala de aula rompe paradigmas em busca de uma educação de melhor qualidade: os educadores. É o ensino de qualidade que está fazendo a diferença na vida de um número cada vez maior de assisenses brasileiros. E como disse o engenheiro que fez nosso projeto estrutural, o risco é que daqui a dez, vinte anos tenhamos de comprar a casa pré-moldada. Quem trabalhará nessas fábricas, comandando máquinas, aqueles que se não fosse a educação de intervenção ficariam eternamente sendo pedreiros fincados no mercado informal.

Pergunta básica: você já abraçou um professor hoje? Assim que puder, o faça, pois este profissional está mudando a realidade social à sua volta.

PAREM O MUNDO QUE EU QUERO DESCER!

Não ouvi a entrevista dada por Beleco ao repórter Alves Barreto, na Cultura AM, mas li a respeito no Jornal da Segunda. Ele chama de burrice as realmente trágicas mudanças a que está sendo submetido o trânsito de Assis nas últimas semanas. Mas, relembremos, Beleco também foi, na equipe do ex-prefeito Romeu Bolfarini, responsável pelo trânsito desta Sucupira do Vale chamada Assis. E iguais alterações de sentido de direção de ruas e avenidas foram feitas lá pelos idos da década de 1990, revoltando, idem, alguns comerciantes, condutores e transeuntes. Burrice, então, é algo realmente preocupante, pois além de estragar o trânsito apaga a lembrança da mente de seus portadores.

ETERNO RETORNO

Assumi, há duas semanas, aulas no curso de Jornalismo da Fema, em Assis. Uma turma muito boa, no terceiro e penúltimo ano, composta por, assim dizer, já jornalistas. Há um significado muito especial, para mim, neste desafio. Remonto uma situação que em 1995 colocou-me com dona Cida Santilli e o então secretário da Educação do município, José Luiz Guimarães, homem de confiança de seo Zeca Santilli. Na ocasião, na chácara da família Santilli, atrás do Centro Social Urbano, recebi a incumbência de produzir uma carta de intenção na representação de jornalistas da região. Tal documento seria anexado ao projeto pedagógico de implantação do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, que passou pelos trâmites dos conselhos estadual e nacional de Educação, até chegar ao MEC. Naquela época eu era supervisor da sucursal de Assis do jornal Oeste Notícias, de Presidente Prudente, e sonhava com a graduação em Jornalismo na minha cidade natal. Quis o destino que minha graduação fosse em História, na Unesp local. Hoje, passados 25 anos desde meu primeiro emprego como redator na rádio Cultura de Assis AM/FM, concluo mestrado em Ciências da Comunicação pela USP, confirmando uma vontade de dona Cida, seo Zeca e Zé Luiz Guimarães: “vá ser um teórico da comunicação”. Aonde quer que os três estejam agora, em alma, sabem que Deus providenciou o retorno.
Até a próxima coluna, corajosos leitores.

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