sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

De playboys a agroboys, a certeza da impunidade


08 Novembro 2011


De playboys a agroboys, a certeza da impunidade


Cláudio Messias*

“Obrigado, pai, pelas broncas dadas”. Este agradecimento foi feito por meu filho, que tem 15 anos de idade, ao encerramento do Religare, evento da igreja católica que reúne, em Assis, essencialmente jovens, da adolescência aos 80 anos de idade. Tal encontro católico ocorreu há alguns meses e os participantes, confinados durante três dias, puderam escrever recados aos pais ou responsáveis. É no bilhete a nós enviado que recebi o agradecimento por aquilo que mais machuca o coração de um pai, de uma mãe ou de um adulto que tem responsabilidade civil sobre um menor: a bronca.

Eu e minha esposa temos duas joias de 15 e 14 anos de idade. Dois meninos que recebem pelo menos três broncas por dia: uma pela manhã, outra pela tarde e uma derradeira à noite. E quando ouvem os sermões fazem aquela cara de repúdio, ignorando, claro, o sentimento de agradecimento relatado no bilhete do Religare. Somos pais chatos? Acho que sim. Muito chatos, também acho que sim. E exageramos na dose? Tenho certeza que não. Bronca é orientação para a vida; é um abrir de olhos a partir de uma visão adulta; é passar, para quem está aprendendo o que é a vida, um pouco do que essa mesma vida o aguarda com amarguras.

O mundo ideal, todos sabemos, é a mais antiga das utopias. Se busca-lo foge do alcance de cada uma das mãos, que façamos, também cada um, a nossa parte. Lindo discurso diante de um cenário cada vez mais preocupante. Este sujeito social da pós-modernidade volta a ser fechado, enclausurar-se. É liberto das amarras do conhecimento, porém acorrentado a um viver por si. As ações e decisões são, por conseguinte, cada vez mais individuais. Se eu estou bem, tudo está bem, e isso já basta.

Junto estes dois pontos de reflexão para chegar a um episódio que novamente elevou o nome de Assis à média imprensa, podendo chegar ao circuito nacional na pauta das grandes emissoras de TV. Jovens provocam uma situação que termina em agressão, com requintes de certeza de impunidade. Parece pauta corriqueira, principalmente se aprofundarmos na notícia e vermos que os jovens em questão pertencem a abastadas famílias da cidade. Afinal, jornais e telas de TV mostram, com frequência assustadora, filhinhos de papai dirigindo, embriagados, carros a mais de 200 km/h em vias com velocidade controlada a 20km/h, matam, pagam fiança que chega a beirar a casa de um milhão de reais, saem das delegacias com rostos encobertos e aguardam que a notícia fique velha o suficiente para que deixem as manchetes; saiam da agenda setting.

Mas os filhinhos de papai em questão são daqui, do quintal de nossas casas. Não entro no mérito da questão sobre o fato de terem ou não infringido as leis que regem a sociedade que agora foco. Isso é competência da polícia e da Justiça. Centro meu discurso no que há de mais neutro em qualquer situação de crime: o testemunho. E foi de uma testemunha o relato de todo o ocorrido, tornado público, factualmente, somente pela internet. Agressão nenhuma tem justificativa, seja qual for a circunstância. E é essa a premissa, a meu ver, que prevalece não só nesse, como em qualquer caso que envolva cidadãos que residam da periferia aos condomínios de luxo.

Em 1996 testemunhei uma situação em que jovens da mesma faixa etária dos assisenses de agora cercaram e agrediram travestis em Presidente Prudente. O cenário de testemunho era o mesmo: carrão que valia algo em torno de meio milhão de reais, provocação, reação e pancadaria. Claro, a parte mais fraca – financeira e fisicamente falando – saiu perdendo. A sociedade prudentina chamou os agressores de agroboys, uma vez que o perfil dos protegidos era: carro, caminhonete; vestuário, camisa/calça/bota/fivela/chapéu; som ambiente, sertanejão dos bravos. E a cena que mais chamou a minha atenção foi o semblante de todos os envolvidos do lado acusável: nenhum sinal de preocupação, arrependimento ou sensibilidade com o ocorrido. Até hoje tenho a convicção de que aqueles agroboys, hoje adultos ou até mesmo chefes de família, não só não se arrependeram do que fizeram como, em nova oportunidade, fariam tudo aquilo de barbárie novamente.

Agora chegam os playboys de Assis. A mesma Assis que semestres atrás teve os idealizadores do Rodeio das Gordas, não nascidos aqui mas aqui residentes temporariamente para usufruir do investimento público feito na maior universidade da região. Arquétipos e estereótipos, sim, que os meios de comunicação produzem, atribuem e que pegam feito chiclete no cabelo debaixo de sol. E, como pai, e não somente como jornalista e pesquisador das Ciências da Comunicação, não dissocio este evento e outros eventos de uma situação social que muito criticam, mas que igualmente recorrem nos momentos de aperto: a família. Onde ficam as famílias neste cenário sombrio?

O que moveu o nervo de frequentadores de redes sociais nos últimos dias não foi exatamente o risco de uma das vítimas dos playboys perder a audição de um dos lados, tamanha a violência recebida em forma de golpes. Os sobrenomes de tais agentes violentos, quando conhecidos, deixaram perplexos até mesmo aos mais abastados. E a sensação de necessidade de Justiça pairou. E a inevitável pergunta vem à tona: por que o nome daquele criminoso que desfigurou, semanas atrás, o rosto de uma jovem a marteladas foi tornado público pela polícia e o mesmo não ocorreu, agora, com os dois maiores de idade envolvidos publicamente nas agressões ao casal que fazia caminhada na tal da Rodobanha?

A imprensa, como muito bem disse Reinaldo Nunes no Jornal da Segunda Online, fica em dupla sinuca de bico: primeiro porque há menores envolvidos e o ECA garante anonimato neste tipo de circunstância. Segundo, há o cerceamento de acesso aos boletins de ocorrência que absurdamente vem sendo feito, em Assis, nos últimos anos. Antes eram as vítimas que pediam a não liberação dos BOs; agora, a própria polícia seleciona o que é ou não publicado. Culpa, claro e também, da própria imprensa, cada vez mais refém de BOs. Refém no sentido de ignorar a necessidade de ir ao local do fato e, também, refém no sentido de republicar o texto dos BOs, utilizando, muitas vezes, trechos inteiros e até mesmo os vícios de linguagem policial. Basta ouvir algumas emissoras de rádio, ler alguns jornais e acessar alguns sites para ver que em determinadas situações a polícia “logrou êxito” em circunstâncias diversas. Pasmem.

A família, coitada da família, entra no contexto de fracasso na formação de jovens cada vez mais sem-noção, como dizem os próprios jovens. Os pais cujos sobrenomes abastados por natureza completam os nomes de suas crias, envolvidas em tão vexaminoso episódio, devem sentir a mesma sensação de vergonha e insuficiência que um casal manifestou quando foi à delegacia, dias atrás, para defender o filho flagrado com maconha pela polícia na Universidade de São Paulo. O bolso talvez não seja tão abastado como os daqui, mas a ação foi honrosa: “ele não aprendeu a fumar maconha dentro de casa, porque na nossa família maconha é droga ilícita”. Se cometeu o crime, que pague socialmente. No caso acima, claro, o advogado de defesa foi contratado para que o filho não pagasse com cadeia imediata pelo flagrante. Nada, contudo, que lhe livrasse de ter rompido com um contrato social que delimita certo e errado. Se errou, vai pagar. E essa é a bronca, literalmente falando.

Faltou bronca aos playboys? Não sei. Talvez a acumulação de capital presente na rotina familiar de tais sobrenomes afaste fisicamente pais e filhos, o suficiente para que nem espaço para broncas haja. Em minha passagem como professor pela Educação de Jovens e Adultos, no CRAS Prudenciana, tive alunos que, na esperança de melhorar a vida retomando os estudos já na fase final adulta, trabalhavam em casas cujos proprietários têm sobrenomes tão abastados quanto os envolvidos neste escândalo social dos playboys. Ouvindo os relatos da rotina de serviços gerais, cozinheiras, jardineiros e babás que atendem a essa elite privilegiada eu via, já naquela época, que a relação pais/filhos narrada por meus interlocutores desencadearia exatamente nisso que agora ocorre. Cidadãos que não são educados nem para retirar da mesa o prato onde comem ou mesmo para cuidar do espaço onde essa comida será transformada organicamente em dejeto, não podem ser considerados fator surpresa em qualquer circunstância que envolva conflito social. São presumíveis. Nós é que insistimos por não aceitar essa realidade.

Acredito na reversão do ser humano. Em meus 41 anos de idade fui, além de jornalista e professor, agente de ressocialização, nome institucionalmente dado pelo Estado ao que a sociedade chama de agente penitenciário. Em outra ocasião relato parte dessa experiência, que deveria durar cinco mais somou ‘apenas’ 3 anos e meio. Mas foi lá que vi condenados narrando arrependimentos ditos como sinceros. Fora da muralha conheci e conheço pessoas que, por exemplo, disseram adeus ao vício do cigarro, negaram ao alcoolismo e estão há mais de dez anos livres do uso profundo de cocaína. Fizeram o rompimento de seus próprios “eus” para antes e depois da decisão de assumirem outra identidade para suas vidas.

O caso dos playboys talvez exija muito mais uma oportunidade de reencontro das partes envolvidas do que necessariamente prisão e linchamento público dos sobrenomes envolvidos. Com certeza esses jovens não aprenderam em casa, no sobrenome, a agredir ou, no outro lado da versão, reagir com violência a uma situação de desentendimento. Mas, com igual certeza, caberá a eles e ao casal reconhecer, em consenso, um ponto em comum. Isso não reverte o risco de perda de audição do agredido, mas atenua um caso que ganhou proporções que já beiram o exagero. Como comunicador que fui, sou e pretendo ser, aposto no diálogo como instrumento não de solução, mas de aproximação entre partes.

Meu recado, portanto, vai aos pais desses jovens: deem broncas em seus filhos, já!. Mostrar o que é certo, com base no que se fez de errado, não é verborragia, é dar noção de cidadania. De repente, em um desses milagres sociais que eu relatei há pouco, o caso acaba resolvido sem que a polícia ou a Justiça, já abarrotadas de casos semelhantes e/ou mais tênues ou graves: um pedido de desculpas. Quem gera um filho será pai ou mãe eternamente e pode muito bem, agora, partindo da premissa de que na relação pai/filho não existe tarde, nem nunca, dar uma bronca. Quem sabe assim, dessa maneira, abra-se a possibilidade de esses playboys mais adiante reconhecerem: “obrigado, pai/mãe, por me darem aquela bronca”. É a única esperança que nos resta, pois mirar tal episódio a partir das relações de poder já pré-estabelecidas pela polícia nos entope de incógnitas.


FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA


Casa de ferreiro...

Dia desses escrevi, aqui por estas linhas, algo sobre a autenticidade de produção intelectual, científica. E um internauta advertiu-me sobre algo interessante: dando busca no Google meus artigos aqui publicados não apareciam nos resultados. Fiz o teste naquele exato momento e vi que procedia. Assim, de que maneira, dali a então 20 anos, alguém daria busca por “Como fazer um trabalho de conclusão de curso” e encontraria aquele puxão de orelhas?

... espeto de ferro

Refiz a mesma busca, neste momento, no Google, e lá está meu artigo do dia 29/10, aqui no Assiscity. Neste portal as mudanças acontecem à velocidade com que a espontaneidade exigida pelos internautas aspira. Não por acaso já é um dos mais respeitados conteúdos online do Médio Vale.

Vazio

Não conheci nem trabalhei com Gelson, nosso colega de profissão que teve o peito varado por uma bala de fuzil no final de semana passado. Mas, observando a práxis dos jornalistas envolvidos na cobertura daquela operação nos morros do Rio, não tenho dúvida: só falta formalizar o reconhecimento de que a guerra civil está estabelecida. Não é só em estatísticas socioeconômicas que nos igualamos às nações africanas desastrosamente destruídas pela colonização europeia.

Toma lá...

No sábado bem que tentei ir ao hipercenter do São Judas. Mas a fila de carros já em frente à Aprumar convenceu-me a virar à direita no semáforo da avenida David Passarinho. Ontem, plena segundona, fui com a família estrear a praça de alimentação daquela imensidão de infraestrutura. Tudo lindo, maravilhoso, cheio de gente. Mas, ficar mais de 5 minutos esperando e vendo a fila da comida aumentar foi chato. Qual espera? O mesmo rapaz que pesava os pratos, no restaurante verde, era o que recebia e passava cartões dos clientes.

... dá cá!

Hoje, então, voltamos a almoçar no Avenida Plus. Fila igualmente grande, mas que não exigiu nem 5 minutos entre a espera, o servir-se e o pesar. Mais leve no sal e na gordura, a comida também estava melhor em relação ao cardápio de ontem. Mas, o que é melhor: o supermercado estava, diríamos, mais leve: mais vagas no estacionamento, menos congestionamento nos caixas. E isso, em plena terça-feira pós-pagamento. Crise? Não. Qualidade.

Terra de todos

Com o São Judas agora Assis tem três hipercenters: Amigão, Max e São Judas. E fontes da calada dizem que o Super Muffato vem por aí, como a quarta opção. E já que o assunto é o “possível”, o Avenida Max estaria prestes a ganhar uma sala de cinema 3D. Verdade ou não, isso tudo representa que o assisense passa a ter qualidade para comprar, sem precisar peregrinar mais de 60 km para encontrar isso fora daqui.

Direto da fonte

O SBT está inaugurando o escritório de cobertura em Presidente Prudente. Mais uma opção de jornalismo regional. Sob o comando está meu amigo Rogério Potinatti, moço batalhador que deixou a Record para assumir o desafio de ajudar a restabelecer o jornalismo no canal de Sílvio Santos. Na equipe de Potinatti está um ex-aluno da Fema. Que a humildade de Potinatti contagie toda a equipe.

Novos desafios

E por falar em Fema, no dia 1º/11 o curso de Jornalismo passou visita de renovação do reconhecimento. Dois avaliadores do Conselho Estadual de Educação conheceram a estrutura da instituição, bem como dialogaram com professores e alunos. Momento propício, pois o vestibular da Fema teve 85 inscritos para Jornalismo e voltará a formar turma em 2012. Méritos do trabalho da coordenadora Maria Lídia Bignoto, que assumiu a gestão do curso em 2011.

Mais um degrau

O próximo artigo que eu escrever para este espaço terá uma circunstância muito especial na minha vida. Terei defendido minha dissertação e, portanto, serei mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Minha defesa está agendada para as 10 horas desta sexta-feira, dia 11, na Sala das Defesas, na ECA/USP. Minha banca é composta pelas professoras Patrícia Horta, da Universidade Federal de Pernambuco, e Lucilene Cury, da ECA/USP. Meu orientador é o professor Ismar de Oliveira Soares, com quem desenvolvi o projeto “Duas Décadas de Educomunicação: Da Crítica ao Espetáculo”, um trabalho de 231 páginas.

Perguntinha básica

Não passou da hora de o Parque Universitário ganhar uma base comunitária da polícia? Os mais bárbaros crimes cometidos contra mulheres, nos últimos anos, tiveram início ou aconteceram naquelas imediações. E, pior, até este momento estão sem solução.

*Jornalista, professor universitário e pesquisador das Ciências da Comunicação.



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