domingo, 27 de janeiro de 2013

A incômoda sensação de cidade abandonada


18 Outubro 2012



Cláudio Messias*

Leio que o Ministério Público Estadual impediu a utilização de algumas praças esportivas de Assis para a prática de competições oficiais. As razões que levaram a isso são conhecidas exatamente pelo público que prestigia torneios de futsal, por exemplo. Aos poucos, ginásios e estádios foram abandonados. Até chegar à condição caótica em que, pasmem, não oferecem segurança para o público.

Retornei a Assis, profissionalmente, há 9 anos. Desde então, testemunhei dois prefeitos, comandando três gestões. Modos totalmente opostos de gerir o esporte na cidade. Carlos Nóbile, com todas as críticas que sua administração merece e mereceu, foi o único prefeito que vi, em meus 42 anos de vida, adotar uma política pública de incentivo ao esporte, seja ele amador ou profissional. Sem aprofundar nos detalhes cito dois exemplos bem sucedidos de diálogo com a iniciativa privada: o Clube Atlético Assisense, no futebol de campo, e o Conti Assis, no basquete masculino.

No primeiro mandato do prefeito Ezio Spera, sucessor de Nóbile, mudanças bruscas no modo de administrar o esporte na cidade. O foco no esporte amador deu certo, sim, bastando olhar para centros esportivos construídos em complexos de bairros antes desabastecidos desse tipo de estrutura. O esporte profissional, contudo, foi tratado como se fosse um corte, um machucado, um trauma no organismo chamado poder público municipal. Ações diretas do gabinete do prefeito tiveram o efeito, na carne, de um torniquete. De tanto apertar, nesses oito anos, e o local que antes era tido como sangria agora mostra-se passível de amputação. Vejo o esporte morrendo em Assis.

O nome de uma cidade paga preço caro quando uma agremiação local o tem na denominação. O MAC era o “Marília” nos áureos tempos em que Palhinha e Andrei o levaram da Série A-2 à Primeira Divisão, ou então disputou a Série B do Brasileirão, dez anos atrás. Bastou uma década, contudo, para os investimentos cessarem e o mesmo clube levar Marília a um despencar íngreme de divisões, seja no estadual, seja no nacional.

Com Assis não tem sido diferente. Iguais dez anos atrás víamos o basquete masculino levando multidões ao Gema e, depois, ao Jairão. O fenômeno Conti Assis marcou uma geração inteira, que aprendeu a idolatrar Arnaldinho e Marcinho. Quase concomitante ocorreu a ascensão do Clube Atlético Assisense, que por 1 gol no saldo de gols não conseguiu o acesso à Série A3 em 2004. Basquete campeão do torneio Novo Milênio, futebol em alta. E o nome de Assis projetado. Nos últimos cinco anos, no entanto... Conti Assis tornou-se Assis Basket, e o Clube Atlético Assisense conheceu o lado extremo das dificuldades. O nome de Assis despencou junto, ano a ano, com as campanhas.

Desde que foi inaugurado, o Tonicão nunca foi um exemplo de instalação esportiva. No meu entender, aquele estádio foi inaugurado sem estar pronto. E continua incompleto até hoje. E a cada ano, a cada virada de gestão na Prefeitura, o caos se estabelece naquela praça esportiva. Quando Ezio Spera assumiu a prefeitura foi anunciada uma política que, confesso, me agradou. O Tonicão seria para competições profissionais, enquanto o esporte amador ficaria com o estádio municipal Marcelino de Souza. Se contar isso em Brasópolis ninguém vai acreditar, mas passaram-se oito anos, duas gestões e o prefeito não conseguiu reinaugurar o Sãopaulinho. É como se tivessem preparado a festa, confeitado o bolo, enchido a boca de todo mundo com água, mas, jamais servido o prato.

Como já disse aqui, neste espaço, nunca troquei uma palavra sequer com Ezio Spera. Faltando pouco mais de dois meses para terminar a administração o tenho como prefeito caviar, ou seja, nunca vi, não conheço, só ouço falar,. Como cantado por Zeca Pagodinho. E no começo ouvia falar bem, mas muito bem do pediatra, do articulador. Como jornalista, na época em que ele era candidato, em 2004, tentei falar com sua pessoa por diversas vezes, sem sucesso, pois um batalhão de assessores o blindava. Assessores esses que com o tempo caíram feito casca da ferida que o torniquete estancou parágrafos atrás.

Tudo bem, prefeito tem que agir. Falar é um detalhe. Logo, vou à práxis cotidiana desse prefeito a que me refiro. Sim, fomos administrados por um médico nesses oito anos. E médico bom no futebol eu só conheço dois: Zanini e André Gava. O primeiro, eterno parceiro do Vocem e do Assisense. O segundo, por sua atuação naquele fatídico jogo em que o Assisense foi prejudicado pela arbitragem e viu o Campinas conquistar a vaga para a A3. Não entremos em detalhes...

Um prefeito que não tem afinidade com o esporte e é médico tem, então, de resolver pelo menos parte dos problemas relacionados à saúde em uma cidade de pretensos 100 mil habitantes. Sim, nesse contexto temos o ambulatório de atendimento da Vila Maria Isabel, cujo funcionamento descongestionou Santa Casa e Hospital Regional, certo? Nem tão certo assim. Igual investimento, feito no Jardim Paraná, nunca saiu de uma construção inacabada. O ambulatório é para o bairro o que o Hospital Regional foi durante anos do governo do PMDB para toda a região: um elefante branco.

Em minhas duas décadas de atuação como jornalista em Assis sempre noticiei as crises da Santa Casa. Eu, meus irmãos e meus dois filhos nascemos naquela maternidade. Nessas etapas, que correspondem a gerações, meus filhos nasceram em momentos da história da Santa Casa marcados por séria crise financeira. No final dos anos 1990, por exemplo, aderi e trabalhei nas campanhas que tentavam, junto à sociedade assisense, arrecadar dinheiro para pagar as contas daquele hospital. E quando pela primeira vez vi um médico chegar à condição de prefeito imaginei, confesso, que ações concretas partiriam das políticas públicas para equacionar o problema da saúde não só da Santa Casa, mas da cidade como um todo.

Hoje leio que a situação financeira da Santa Casa de Assis continua séria. Sim, não é exclusividade daqui, mas de praticamente todas as cidades do país. Mas, gostaria muito que me convencessem do contrário desse enunciado lógico: nem todas as cidades cujas santas casas passam por crise são ou foram administradas por um médico.

Óbvio que um prefeito que seja policial não vai solucionar todos os problemas relacionados a segurança pública de sua cidade. E não seria o médico Ezio Spera que faria de Assis uma Havana dos anos 1990. Aquilo a que estou me referindo nessas linhas está centrado nas atitudes. Não se fez, mas, também, não tentou-se fazer. Ou se foi tentado, não mostrou-se.

De dois anos para cá o que percebo é uma falta de apetite pela coisa. Segundo e último mandato e surgem alianças antes inimagináveis. E o DEM faz pacto local com o PT, facciona parte da gestão e inicia-se uma fase da gestão totalmente sem identidade. Claro, pontos extremamente positivos sugiram daí. O Cine Piracaia, por exemplo, mostra isso. Exclusiva exceção (sic me!).

As alterações feitas no trânsito da cidade me parecem como os jogos da Seleção Brasileira na Copa de 1970. Todos os bairros foram afetados, direta ou indiretamente. E enquanto falávamos de uma ou outra rua com mudança de direção, não víamos as praças com mato alto, o parque Buracão sem investimentos, as escolas municipais com atraso na entrega de uniformes. Sim, um dia, só nos demos conta de que um ou outro amigo desapareceu para sempre enquanto assistíamos jogos da Seleção Brasileira depois que acordamos para a realidade da ditadura. E era tarde.

A cegueira coletiva foi tamanha nesses últimos meses de mudança na engenharia de tráfego da cidade que até mesmo a arte de rua do talento chamado Alemão desapareceu das paredes do túnel da Fepasa, e ninguém se deu conta de que a tinta que hoje arbitrariamente censura a expressão pela arte do grafite tem as cores do partido do prefeito. Vivemos a cegueira branca a que se referiu Saramago em seu “Ensaio sobre...”.

Vejo cada vez mais amigos, alunos e ex-alunos despedindo-se. Não da vida, graças a Deus, mas da cidade. Um certo desânimo paira nesse ar que por menor que seja a umidade relativa é carregado por cinzas das queimadas ilegais de cana. Cinzas que parecem poeira radioativa, cujo efeito letal será sentido aos poucos. Um exemplo dessa apatia coletiva? Dou, sim. E para mim, nesse interim, não há parâmetro melhor do que a opinião pública materializada no voto.

Se por um lado houve redução da vontade de governar a cidade, por outro houve diminuição na vontade de votar. Nietszche contemporâneo ratificaria sua teorização sobre vontade de potência. Nos fechamos nesse sentimento coletivo de amargura e deixamos de acreditar. Basta ver que elegemos Ezio Spera, por duas vezes, com mais de 60% dos votos válidos. E nessa última eleição nem os candidatos a prefeito e vereador apoiados por ele chegaram lá.

Partindo desse parâmetro, que tenhamos na figura do novo prefeito eleito uma esperança de que a energia de sua juventude de 36 anos contagie a todos. Tudo bem, não houve consenso na eleição de 2012 em Assis, isso todos já sabem e refletiram nos encontros coletivos de socialização, sejam eles físicos ou virtuais. De repente, é da falta de aposta sumária que sai a boa gestão. E estamos esperando isso já há algum tempo.


*Jornalista, historiador e professor universitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP.


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